sábado, 7 de outubro de 2017

Pós cirúrgico

   
          A experiência vivida no hospital nos desgastou de várias formas. Além de todo o sofrimento e angústia diante da cirurgia, da entrega de nosso bebê para um estranho e ainda o susto em vê-lo diante do elevador para ir não sabemos onde, ainda tivemos que encarar o desprezo, falta de respeito e atenção do médico, da equipe e inclusive das enfermeiras que nos atendiam naquele dia pois nada nos esclareciam e ainda ficavam incomodadas com nossas perguntas.

                Puxa vida, que dia!!!!!

          Enfim, com a alta já prescrita e sem nenhuma outra informação nos dirigimos então para a tesouraria do hospital e lá recebemos a conta astronômica onde nos cobraram verdadeiros absurdos nos materiais que disseram terem sido usados na cirurgia. Fiquei indignada ao constatar o valor, verificar a cobrança de 23 pares de luvas (quantos médicos e auxiliares?) entre outros materiais estranhos e mais ainda, ao ver na lista que seria preciso pagar por um termômetro e pelo suporte deste termômetro que foi usado no quarto, no pós-cirúrgico e lá mesmo ficou. Fiquei realmente chocada com o preço do termômetro que daria para pagar quase duas diárias do hotel  em que estávamos hospedados.  Mas não havia outra alternativa senão pagar aquela conta mesmo sabendo que era indevida.

              Resolvemos então ir até o con-sultório. Precisávamos obter as informações sobre tudo que havia acontecido na cirurgia, o que deveríamos fazer a partir de agora bem como tentar entender os motivos que levaram aquele tão afamado e respeitado médico a nos atender daquela maneira desrespeitosa.

           Chegamos e encontramos o consultório bem cheio. Falamos com a secretária, explicamos que estávamos vindo do hospital e aguardamos. Era aproximadamente 15:30. Nosso bebê estava tranquilo em meu colo por cerca de 30 minutos mas depois de mais de 1 hora de espera ele já estava agoniado e nós começamos a ficar muito irritados. Várias pessoas já haviam entrado no consultório e o médico não nos chamava? Como? Não seríamos uma prioridade? Com um bebê de 1 ano e 1 mês que acabara de sair do hospital onde ele não deu a mínima atenção!!??!! Continuaria a nos desprezar?

             Algumas pessoas já estavam solidárias a nós e também incomodadas pelo médico não nos atender. Perguntamos para a secretária que não sabia nos dar uma resposta e começamos a reclamar em alto e bom som, explicando que estávamos indignados com a forma como fomos tratados no hospital, que estávamos pagando pela consulta e cirurgia de forma particular, que não havia respeito com pessoas que tinham vindo de tão longe, que era nosso bebê que havia passado pela cirurgia. Todos estavam igualmente indignados e incrédulos diante de tudo que estávamos passando.

            De repente a porta de acesso ao corredor que levava ao consultório do médico se abriu e uma moça nos chamou, pedindo que a acompanhássemos. Pensávamos que o médico iria nos atender mas nos enganamos novamente...... Ela nos levou para uma pequena sala e pediu que aguardássemos. Ficou muito claro que queriam apenas nos tirar da sala de espera para que os outros não ouvissem o que tínhamos a dizer. Não aceitamos ficar ali sendo escondidos, nós não fizemos nada de errado e ficamos ainda mais indignados. Resolvemos aguardar na frente da porta do consultório pois haveríamos de ser os próximos a quem ele atenderia.

           Portanto, assim que a porta se abriu e o paciente saiu da sala nós pedimos licença e entramos sem esperar resposta, pois não seríamos desprezados mais uma vez e o médico teria que nos atender.

            Certamente ele não ficou satisfeito com nossa visita mas isso não nos incomodava nem um pouco e ele haveria de ouvir tudo que estava engasgado em nossa garganta. Começamos questionando todo o comportamento dele conosco, o abandono, a falta de informação, o desprezo, incluindo o ar de ironia naquele momento. Sentimos a discriminação por trazemos o sotaque da região sofrida do nordeste. E a explicação que ele nos forneceu foi rápida e simples: ele estava muito ocupado, muitas pessoas aguardando por ele no consultório, como a gente estava vendo naquele dia. Será que todos eles seriam tratados como nós fomos? Como este médico conseguiu tal fama tratando seus pacientes desta maneira tão fria?

          A indignação somada a raiva e a revolta tomavam conta de nós mas eu queria muito sair dali o mais rápido possível pois estava sufocada. Nosso bebê estava tão agoniado quanto nós, o que era muito raro e isto só aumentava minha vontade de sumir dali. Mas primeiro precisávamos saber tudo sobre a cirurgia e o que aconteceria dali em diante. Portanto engolimos nossos sentimentos para deixar aquele médico falar.

          Após sermos informados que a cirurgia foi um sucesso, que os tubos de ventilação foram bem colocados e que o líquido havia saído, ficamos mais tranquilos e esperançosos com a possibilidade de que nosso bebê começasse a ouvir normalmente. Só não estávamos mais tão crédulos nas coisas que este médico nos dizia, já não sentíamos segurança nem confiança. Foi um atendimento rápido, com sorriso forçado e impaciência mas descobrimos também que não precisaríamos voltar mais a São Paulo. Ele nos disse que após uns meses o tubo de ventilação seria expelido naturalmente e que não haveria necessidade de se fazer mais nada..... que agora ele começaria a ouvir melhor e tudo estava resolvido.

          A alegria em ouvir aquelas palavras acabou amenizando nossa raiva pois surgia a felicidade de saber que nosso pequeno começaria a ouvir à medida que o restante do líquido fosse saindo. Após estas últimas palavras resolvemos sair dali o mais rápido possível e deixar para trás todos os sentimentos negativos e dilacerantes que nos consumiam até aquele momento. Queríamos apenas viver e sentir a alegria desta conquista, da realidade de nosso filho começar a ouvir.

            Partimos de São Paulo sem querer mais olhar para trás. Não queríamos mais pensar no antigo diagnóstico de surdez nem relembrar o tratamento que havíamos recebido do médico do Recife e,  mais ainda, não queríamos mais pensar neste médico de São Paulo, cirurgião, professor, doutor, excelência e destaque no assunto, chamado por todos de papa em experiência e conhecimento e que nos havia sido altamente recomendado por 3 otorrinos mas absurda e inexplicavelmente tão desumano e desprezível quanto o primeiro.
              
           Estávamos exaustos, profunda-mente desgastados mas com toda uma nova energia positiva pois havia uma nova realidade e muita esperança. Era hora de voltarmos para casa e para os braços aconchegantes de nossa família levando a notícia do sucesso da cirurgia e de uma nova realidade.



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